domingo, 4 de novembro de 2018

Mentes confusas: consequências dos novos tempos


Confusão. É a herança que recebemos da sociedade contemporânea. Afazeres inúmeros, ser multitarefas, dar conta de tudo. Hoje não basta ser bom em uma coisa. Tem que ser bom em pelo menos umas cinco coisas. Ou mais. A exigência é enorme. O bom profissional é aquele que pensa em rede, que é resiliente. Ser um bom contador? Não. Tem que ser também uma pessoa criativa, criar um blog para a empresa. E entender de como consertar o bebedouro da cozinha. E atender aos clientes de final de semana. Dá até desânimo...

Porque não podemos voltar aos tempos do "sou um ótimo engenheiro". E ponto. Currículo perfeito. Hoje não. Não basta isso. Precisa também dominar outros assuntos, saber fazer de tudo um pouco, tipo "Marido de Aluguel" sabe? Só o diploma de engenheiro não basta.

E isso tudo tem levado as pessoas à loucura. Uma loucura de nunca ser bom o suficiente, de nunca estar satisfeito consigo mesmo. A busca da perfeição. Nunca se ofertou tantos cursos online. "Como vender mais e melhor", "Técnicas para aproveitar melhor seu tempo", "Como ser multitarefa". E por aí vai.

E digo mais, hora infeliz em que as feministas queimaram sutiãs. Elas não sabiam o que estavam fazendo. A luta era justa, por igualdade de direitos e tudo o mais. Porém, não adiantou cem por cento não. Acredito que muito melhorou sim, pois podemos trabalhar fora, ter uma carreira. Mas...com isso agora temos jornada tripla. Trabalho, casa, família. Estar bonita, se arrumar, lavar a louça, a roupa, sair pro trabalho, pensar no cardápio semanal, ir ao mercado. Voltar pro trabalho, dar atenção ao marido, aos filhos. Ajudar com as tarefas escolares, levar para o ballet. Ufa... Tudo sobra para a mulher. Mesmo nas casas onde existe uma divisão de tarefas, onde todos ajudam, o encargo maior ainda é dela. É como se ela fosse a "chefe" de tudo isso.

E a confusão? Ela entra no momento em que a pessoa já não sabe nem mais o que está fazendo. Ela gostaria de organizar sua vida. Planeja isso. Mas chega em casa tão cansada pela jornada tripla que mal tem tempo de cuidar da casa e descansar uns minutos com o Netflix. E as horas passam e ela pensa: Amanhã eu me organizo. Organiza nada. Ela está confusa, cheia de afazeres e não sabe nem por onde começar. Não consegue se organizar porque não depende dela. Toda vez que se organiza, os imprevistos e nosso amigo "Murphy" aparecem e mudam tudo. Pra quê se organizar se já sabe que Murphy não vai deixar isso ser colocado em prática?

Uma mente confusa quer escrever mas só joga palavras numa tela. Quer cozinhar mas faz um "junta comida". Quer limpar mas apenas organiza o básico para viver. Não se concentra em uma atividade. Gasta tempo com qualquer migalha de paz ou diversão. Qualquer coisa que relaxe sua mente e faça esquecer de tudo. Mas...o mundo não deixa esquecer de tudo. A conta sempre chega.

Assistimos inúmeros vídeos com listas para se organizar, Scrum, como administrar seu tempo, como empreender e ter sucesso...mas apenas ficamos mais desesperados por ver tanto conteúdo e tão pouco tempo para aprender tudo.

Durante grande parte da minha vida, eu era extremamente organizada. TUDO tinha que estar organizado. Roupas por tipo. Livros e revistas empilhados num local dos "não lidos" e os outros na estante, por ordem de tamanho e tema. Contas a pagar numa caixinha em cima do armário. Planilha  de horários do meu dia. Dia da semana de cada coisa. Receitas e despesas em tabelas. Uma orquestra perfeitamente afinada.

Até que chega um momento em que o estresse domina a planilha e a canseira, o corpo. Escreve-se quando dá. Lê-se quando tem tempo. Descansa quando não está ocupada. Internet, estímulos, cursos, notícias, novidades, restaurante novo, escola dos filhos, falta de tempo, almoço, jantar, limpeza, escrever...tudo se mistura e entrelaça. E não abre espaço para diálogo. Apenas forma um sopão. Já não tem mais o arroz separadinho do feijão, uma salada e uma carne. Agora o que resta é jogar tudo numa panela de pressão e ficar pronto em quinze minutos. E comer rápido porque logo tem alguma outra coisa que vai surgir, algo que vai furar de novo o planejamento.

Se fôssemos ilhas, talvez pudéssemos ter um regime de governo individual. Mas não somos ilhas. Somos continentes. Interligados. Tudo junto e misturado. E digo mais: isso não tem mais volta. A globalização e tudo o mais que sempre ouvimos desde criança trouxeram uma qualidade de vida boa, mas em seguida a tirou. A conta veio bem alta para quem se refestelou nos excessos e agora tenta recolher toda a água espalhada com uma peneira.

Confuso? Sim. E é para ser. Confuso como nosso interior. Confuso como nosso mundo. Confuso como nossa realidade. Assim estão hoje a maioria das pessoas. Tentando encontrar seu rosto e sua voz num mundo de cópias.

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